sexta-feira, 10 de agosto de 2012

LEI SEM LEI

Diz uma história que numa
cidade apareceu um circo, e que entre seus
artistas havia um palhaço com o poder de divertir, sem medida, todas as pessoas da platéia e o riso era tão bom, tão profundo e natural que se tornou terapêutico.
Todos os que padeciam de
tristezas agudas ou crônicas eram
indicados pelo médico do lugar para que assistissem ao tal artista que possuía o dom de eliminar angústias.
Um dia, porém, um morador
desconhecido, tomado de profunda depressão,
procurou o doutor.
O médico então, sem relutar,
indicou o circo como o lugar de cura
de todos os males daquela natureza, de abrandamento de todas as dores da alma, de iluminação de todos os cantos escuros do

nosso jeito perdido de ser.
O homem nada disse, levantou-se,
 caminhou em direção à porta, e quando
já estava saindo, virou-se, olhou o médico nos olhos, e sentenciou: não posso procurar o circo...aí está o meu problema :
eu sou o palhaço".
Como professor, vejo que, às vezes, sou esse palhaço, alguém que trabalha para construir os outros e não vê resultado muito claro daquilo que faz.
Tenho a impressão de que
ensino no vazio (e sei que não estou só
nesse sentimento) porque, depois deformados, meus ex-alunos parecem que se acostumam rapidamente com aquele mundo de

iniqüidades que combatíamos juntos.
Parece que quando meus
meninos(as) caem no mercado de trabalho, a
única coisa que importa é quanto cada um vai lucrar, não importando quem vai pagar essa conta e nem se alguém

vai ser lesado nesse processo.
Aprenderam rindo mas não
querem passar o riso à frente e nem se
comovem com o choro alheio.
Digo isso, até em tom de
desabafo, porque vejo que cada dia mais
meus alunos se gabam de desonestidades.
Os que passam os outros para
trás são heróis e os que protestam
são otários, idiotas ou excluídos,é uma total inversão dos valores.
Vejo que alguns professores
partilham das mesmas idéias, e as defendem
em sala de aula e na sala de professores e se vangloriam disso.
Essa idéia vem me assustando
cada vez mais, desde que repreendi,
numa conversa com alunos, o comportamento do cantor Zeca Pagodinho, no episódio da guerra das cervejas e quase todos disseram que o cantor estava certo, tontos
foram os que confiaram nele.
"O importante professor é que o cara embolsou milhões",
disse-me um; outro: "daqui a pouco
ninguém lembra mais, no Brasil é assim, e ele vai continuar sendo o Zeca, só que um pouco mais rico", todos se entreolharam e riram, só eu, bobo que sou, fiquei sem graça.
O pior é quando a gente se dá conta de que no Brasil é assim mesmo, o que vale é a lei de Gérson: "o importante é levar vantagem em tudo". ( Lei de Gérson...dá para rir...)
A pergunta é : Sem trabalho
produtivo é possível, usando a lógica,
que todo mundo ganhe ? Sem o trabalho honesto, para alguém ganhar é óbvio que alguém deverá perder.
A lógica é guardar o troco a mais recebido no caixa do
supermercado; é enrolar a aula fingindo que a matéria está sendo dada;
é fingir que a apostila está aberta na matéria dada, mas usá-la como apoio enquanto se joga forca, batalha naval ou jogo da velha;
é dizer que leu o livro, quando ficou só no resumo ou na conversa com quem leu; é cortar a fila do cinema ou da entrada do show;é marcar só o gabarito na prova em branco, copiado do vizinho, alegando que fez as contas de cabeça; é comprar na feira uma dúzia de quinze laranjas;é brigar para baixar o preço mínimo das refeições nos restaurantes universitários, para sobrar mais dinheiro para a cerveja da tarde; é bater num carro parado e sair rápido antes que alguém perceba; é arrancar as páginas ou escrever nos livros das bibliotecas públicas; é arrancar placas de trânsito e colocá-las de enfeite no quarto; é fraudar propaganda política mostrando realizações que nunca foram feitas (assim como costuma fazer a dupla sertaneja Lula e Duda).
é trocar o voto por empregos, pares de sapato ou cestas básicas;
Essa é a lógica da
perpetuação da burrice.
E não adianta pensar que logo
bateremos no fundo do poço, porque o
poço não tem fundo.
Quando um país perde, todo
mundo perde.
Parafraseando Schopenhauer: "
Não há nada tão desgraçado na vida da gente que ainda não possa ficar pior".
Se os desonestos brasileiros
voassem, nós nunca veríamos o sol.
Felizmente há os descontentes,
os lutadores, os sonhadores, os que querem
manter o sol aceso, brilhando e no alto.
No entanto, de nada adianta o
conhecimento sem o caráter.
A luz é, e sempre foi, a
metáfora da inteligência.
Que nas escolas seja tão importante ensinar Literatura,
Matemática ou História quanto decência,
senso de coletividade, coleguismo e respeito por sie pelos outros.
Acho que o mundo (e, sobretudo, o Brasil) precisa mais de gente honesta do que dos pseudo literatos, historiadores ou matemáticos. Brasil encontra e defende esses valores e abomina Zecas,Gérsons, Dirceus, Dudas e todos os marketeiros que chamam desonestidades flagrantes de espertezas técnicas, ou o Brasil passa de país do futuro para país do só furo.
De um Presidente da República espera-se mais do que choro e condecoração a garis honestos, espera-se honestidade em forma de trabalho e transparência.
De professores, espera-se
mais que discurso de bons modos, espera-se que
mereçam o salário que ganham (pouco ou muito) ministrando a honestidade.
Quem plantar joio, jamais
                                      colherá trigo.
A honestidade não precisa de
propaganda, nem de homenagens, precisa de
exemplos.
Quando reflexões assim são
feitas, cada um de nós se sente o palhaço perdido no palco das ilusões.

A gente se sente vendendo o que não pode viver, não
porque não mereça, mas porque não há
ambiente para isso.
Quando seria de se esperar uma vaia coletiva pelo tombo, pelo golpe dado na decência, na coerência, na credibilidade, no senso de respeito, vemos a população em coro delirante gritando "bis" e, como todos sabemos,um bis não se despreza.
Então, uma pirueta, duas
piruetas, bravo ! bravo ! E vamos todos rindo e afinando o coro do "se eu livrar a minha cara o resto que se dane".

Enquanto isso, o Brasil de irmã Dulce, de Manuel
Bandeira, do Betinho, de Clarice Lispector, de
Chiquinha Gonzaga e de muitos outros heróis anônimos que diminuíram a dor desse país


com a sua obra, levanta-se, caminha

em silêncio até a porta, vira-se e diz:
"Esse é o problema... eu sou o palhaço".

Nenhum comentário:

Postar um comentário